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T 1.03.1 Cafeicultura em Altas Latitudes — Entrevista com Luiz Roberto Saldanha

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Entrevista com Luiz Roberto Saldanha Rodrigues

Para obter uma perspectiva de vida no extremo oposto do espectro de altitude, conversamos com um agricultor brasileiro e aluno de Q Grader Luiz Roberto Saldanha Diretor de Café da Cafés Capricórnio. Sua fazenda se chama Fazenda Califórnia, localizada no estado do Paraná, ao sul do Trópico de Capricórnio. O Paraná já foi o centro da cafeicultura brasileira, mas como consequência das severas geadas nesta região na década de 1970 e das enormes perdas resultantes, a produção deslocou-se para o norte, para uma área centrada em torno do estado de Minas Gerais, uma região menos propensa a geadas. . 

 

 

 

Barista Hustle – Qual a faixa de altitude e latitude da Fazenda Califórnia?

Luiz Roberto Saldanha – A faixa de altitude que temos na Fazenda Califórnia está entre 600 metros e 750 metros acima do nível do mar, e nossa latitude é 23,25° sul.

 

BH – Sabemos que a sua região já foi uma grande produtora de café, mas a produção se deslocou para o norte após a “geada negra” de 1975. Na sua opinião, as mudanças climáticas alteraram o clima do seu estado para tornar a cafeicultura mais segura contra as geadas? (Como você se protege contra a possibilidade de geada?)

LRS – Então, a partir da segunda pergunta. Isso é realmente difícil [de responder]. Existem diferentes maneiras de abordar isso. Uma ideia que podemos ter sobre isso é que 1975 foi um evento climático realmente extremo. Registramos outros acontecimentos ainda piores que 1975. Por exemplo, houve a geada de 1911 ou -12, no início do século). As temperaturas eram muito mais frias que em 1975, mas como não havia tanto café plantado naquela época, os danos não foram tão destrutivos como foram [em 1975], porque o problema é que você tem café em grande parte deste estado . Foi o principal produto de exportação do país e do estado do Paraná, e foi realmente devastador para a economia por ser uma árvore que demorou muito para ser plantada e começar a produzir. Não é como ter uma colheita anual como a soja, o milho ou o trigo. Isso pode ter uma geada. Você perde e planta novamente. O investimento para fazer lavouras de café é muito alto. Quando você perde, é catastrófico, e a forma como a geada matou as árvores foi realmente catastrófica. 

Então, quando a gente olha os dados históricos, você vê que tiveram várias geadas. Vou procurar outros registros para compartilhar com vocês. Alguns foram ainda piores que 1975, mas em 1975 havia uma enorme quantidade de café plantado. 

A fazenda que compramos, a Fazenda Califórnia, pertencia a um grupo americano chamado Leon Anisio. Encontrei-me com um dos antigos administradores da fazenda – um dos administradores da fazenda – que me contou ter recebido a visita de alguns dos engenheiros que estiveram envolvidos na construção da hidrelétrica no sudoeste do Paraná. Porque esta é uma planta gigante, há um enorme lago enorme…. Esses engenheiros diziam que por causa dessa quantidade de água, desse lago enorme, a quantidade de massa de água provavelmente mudaria a forma como as frentes frias entravam no estado do Paraná. Hoje em dia, quando as frentes frias vêm do sul, vão para o oeste; vão para a Argentina, para o Paraguai, até para o Mato Grosso do Sul – que é um estado do Brasil que fica ao norte do Paraná. Mas como essas frentes frias chegam ao lago, elas vão para o oeste por causa da quantidade de água, e não chegam ao Norte Pioneiro do Panamá, onde estamos localizados em Jacarasin. 

Hoje em dia, quando vemos o inverno no Brasil, não é incomum vermos frentes frias causando danos ao Alto Mogiana, ao Sul de Minas, e não ao Paraná... porque essas frentes frias podem vir do sul, do continente, e essas são vou pegar o lado oeste por causa do enorme… lago. Ou podem vir pelo oceano, e quando eles vierem pelo oceano, [dependendo] do ângulo, eles vão vir para o continente, vão para o Alto Mogiana, para o Sul de Minas, ou mesmo para Sehab, como tivemos 3 anos atrás, e não vir para o Paraná. Apenas estar no sul não aumenta necessariamente a probabilidade de fortes danos causados pela geada. Essa é a questão.

Algumas coisas podem ser [feitas] para evitar danos causados pelo gelo. A primeira é usar blusões, uma barreira de árvores que vai bloquear o vento frio, porque esse é um dos danos que você tem – a temperatura baixíssima do vento pode causar danos. A segunda coisa que você precisa evitar são as ervas daninhas no solo durante o inverno, porque o sol aquece o solo e depois o solo aquece o ar. Então, se você tem muita cobertura morta, muitas ervas daninhas, durante o inverno você tem um solo mais frio e as temperaturas vão cair muito mais rápido durante a noite - se for uma noite gelada. 

A outra coisa que funciona é aumentar a concentração de sal na seiva das plantas. Usamos spray de carbonato de potássio com idade entre 15 e 20 dias durante o inverno, e isso permite que a planta diminua o ponto de congelamento da seiva em 2 a 3 graus [celsius]. É realmente eficaz porque a maioria das geadas não são temperaturas superbaixas. Eles estarão em torno de zero a -1, e uma diminuição de 1, 2 ou 3 graus no ponto de congelamento da seiva faz uma enorme diferença. Outra coisa que pode ser usada — mas, no nosso caso, porque [nossa localização] é muito ao sul, é complicada — são algumas árvores no campo. As árvores podem bloquear os raios infravermelhos que vêm do solo para o ar durante a noite. Eles vão [funcionar] como uma nuvem e vão armazenar esse calor e evitar que a temperatura caia muito rápido, mas por outro lado, se eu tivesse as árvores bloqueando o sol durante o dia, essa compensação não seria 100% boa.

A irrigação será outra. Se for um cafeeiro novo ou cafeeiro, você também pode aumentar a concentração de sal. Quando os cafeeiros são jovens – cafeeiros com 1 ou 2 anos de idade – você pode cobri-los com terra durante o inverno para protegê-los e evitar danos causados pela geada ou pelo frio e depois, durante a primavera, você tira a terra do topo das plantas.

 

BH – A pressão do ar na Fazenda Califórnia é maior do que nas fazendas de café em altitudes mais elevadas. Você está ciente de alguma mudança no desempenho dos cafeeiros onde há mais pressão e uma atmosfera mais densa ao seu redor?

LRS – Um dos impactos das diferentes pressões do ar: a atmosfera mais espessa que envolve as plantas (ou a coluna de ar mais espessa) dificultará o crescimento dos grãos. Geralmente, altitudes mais baixas e com maior pressão têm, como resultado, grãos mais macios. É muito mais difícil; então você vê, os grãos terão [tamanho] de tela menor e densidade [de feijão] menor. Quanto mais alto você sobe [em altitude], maior é a densidade dos grãos. Por outro lado, essa pressão maior vai te dar uma concentração maior de dióxido de carbono, o que é muito bom para a vegetação vegetal, pois você terá plantas [mais] vigorosas. 

 

BH – Se olharmos para variedades como a gueixa, que crescem em altitudes mais elevadas, pode ser que algum stress na planta produza realmente uma melhoria no sabor do café. O que você acha? 

LRS – Precisamos ter em mente o centro de origem do café… Etiópia e Quênia. Esses cafés foram levados primeiro para o Iêmen, mais ou menos 500 a 600 anos antes de Cristo, e eles passaram muito tempo no Iêmen… em uma espécie de clima sem sombra, e [com o tempo] essas plantas [se tornaram] diferentes das regionais uns, então essas plantas podem ser plantadas na maior parte do mundo. Eles ainda apresentam algumas de suas adaptações botânicas e anatômicas para cultivo parcialmente à sombra, mas precisamos ter em mente que essa não é mais a genética original do café.

Por outro lado, quando você toma cafés como o Geisha – ainda antigos, mas têm muito dessa composição química original do DNA que dá origem a um determinado fenótipo; o código genético de uma característica específica. " class="glossaryLink" target="_self">genótipo , assim como outros materiais silvestres da Etiópia — estes precisam de condições mais próximas daquelas de onde são originários: mais sombra, temperaturas muito mais baixas que você pode alcançar em grandes altitudes. Então, Eu não diria que é o estresse da altitude que melhorará o sabor do café. Eu diria que é a composição química específica do DNA que dá origem a um fenótipo específico; o código genético para uma característica específica. "classe ="glossaryLink" target="_self">genótipo [de gueixa, por exemplo] - que é selvagem - que exigiria muitas condições mais próximas de seu ambiente original. Essa seria a minha opinião….

 

BH – Existem certas variedades que apresentam melhor desempenho em altitudes mais baixas?

LRS – Não se trata apenas de altitude.… Existe uma correlação direta entre maior altitude e melhor qualidade, mas na verdade, a maior altitude não é a causa da qualidade. A causa da maior qualidade é, na verdade, a diminuição da temperatura. A temperatura [faixa] é o ponto chave…. Então [precisamos ter] duas temperaturas em mente quando falamos de café arábica: 12 graus é considerada a temperatura basal para o café arábica. Se descermos, o metabolismo quase para, e 22 a 23 graus seria a melhor temperatura para que a fotossíntese líquida máxima pudesse acontecer. Mas — pensando em como diminuir a temperatura — podemos ir cada vez mais alto. Temperatura mais baixa: precisamos entender [que quanto mais longe] vamos da linha do equador, menos altitude precisamos para diminuir a temperatura. Por causa do ângulo de inclinação da Terra, você recebe muito menos energia no outono e no inverno, durante a maturação [da cereja do café]. [Na Fazenda Califórnia], longe da linha do equador, as temperaturas mais baixas [ocorrerão] principalmente durante o outono e o inverno.

Completamente diferente das zonas equatoriais, onde o sol cruza a linha do equador duas vezes por ano no outono e na primavera, este sol cruzará a linha do equador. O sul e o norte… recebem muito mais energia, e aí é preciso subir mais para diminuir a temperatura e até bloquear alguns raios ultravioleta com alguma sombra; Isso depende de onde você está. Então, tendo isso em mente, não se trata de altitudes mais baixas, mas de 'onde fica essa altitude mais baixa'? Assim, uma altitude mais baixa perto do Equador [por exemplo] 600 metros na Colômbia, é completamente diferente de 600m no Trópico de Capricórnio ou no Trópico de Câncer. Então aqui [no Paraná] as temperaturas durante a maturação são bastante baixas. 

Para as nossas condições, Mundo Novo cai muito bem, Catuai, Obata… hoje temos Arara – é uma variedade nova do Brasil. E tem alguns agricultores brasileiros que estão trazendo alguns materiais diferentes [híbridos]. O Brasil tem uma restrição política estrita contra materiais de café estrangeiros, e o acesso é muito difícil, por isso dependemos da genética brasileira [de plantas de café cultivadas]. Um dos motivos é proteger a genética brasileira da contaminação por pragas ou doenças que possam ser importadas de outros países. Basicamente, não se trata de variedades para altitudes mais baixas; é se adaptar para que essa variedade tenha o tempo certo e a quantidade certa de energia para ter a maturação dos grãos com uma boa amplitude térmica, para que você tenha fotossíntese líquida durante o dia e uma temperatura baixa durante à noite para diminuir o metabolismo dos açúcares armazenados e dos ácidos orgânicos. Então, esse é o ponto de entender onde vocês estão — a interação entre altitude e latitude — e aí vamos [selecionar uma planta apropriada] variedade para ter a maturação nesse período do ano, para ter as melhores condições para o maturação e colheita.

 

BH – Se os cafeicultores se mudassem de Minas Gerais para o Paraná, o que eles precisariam mudar na forma como cultivam, se é que há alguma coisa?

LRS – O Paraná tem um clima classificado como subtropical. Subtropical para nós significa que temos quatro estações - diferente das zonas equatoriais ou climas tropicais, onde há seis meses de chuva e seis meses de seca. No Paraná, por ser um clima subtropical, chove quase o ano todo. Durante a colheita e pós-colheita, é semelhante a algumas terras altas da América Central, com temperaturas superbaixas, muita umidade e dias nublados. Um grande diferencial é o Paraná no período de floração da primavera — temos uma amplitude térmica enorme e muito vento. Esta é uma época de transição e, como estamos próximos do sul, recebemos uma enorme quantidade de ventos; este é um comportamento [tipicamente característico das] montanhas. Montanhas no Brasil, terras altas no Brasil, terras altas da América Central — elas têm essa grande amplitude térmica e muito vento, e há uma quantidade enorme de doenças durante o período de floração. Portanto, estes necessitam de técnicas agrícolas completamente diferentes. Aí, quando chega o verão, a gente tem muita energia, muita chuva, e temperaturas maiores, e aí [o clima] se comporta como [o das] terras mais baixas, uma espécie de clima tropical. É muito bom para o período de vegetação. Mas isto [requer] muita gestão técnica e profissional em nutrição, gestão de pragas e doenças e gestão de ervas daninhas.

Depois, quando chegarmos ao Outono — a maturação — precisamos ter em mente que a nossa colheita será feita em meio a algumas chuvas, preservando esta área; preservando a estrutura do feijão e a cáscara; aumentando os níveis nutricionais de cálcio e boro; para a integridade das paredes celulares e evitando má fermentação . Área foliar para evitar o impacto das chuvas o manejo da mosca da fruta, da broca , do ácaro porque qualquer dano que você tiver na cáscara [e] você tiver as chuvas, isso vai abrir a porta para a má fermentação e para doenças. É preciso ter um cuidado intenso com a fruta para ter cerejas perfeitas durante a maturação. E, durante a colheita e pós-colheita, sabendo que sua janela é supercurta, é preciso fazer a colheita seletiva diversas vezes para garantir a maior quantidade de cerejas. É preciso ter técnicas de pós-colheita, sabendo que as temperaturas estão baixas. Está molhado. É muito difícil de secar e é preciso ter uma infraestrutura muito boa de moagem úmida e secagem para garantir cafés de alta qualidade. Então, é um ambiente desafiador e com potencial enorme, mas que precisa de muita adaptação e gestão profissional.

 

 

 

      Fotos:  Luiz Roberto Saldanha e sua família.